Bitcoin e Ethereum juntos detêm quase 60% do valor total de mercado das criptomoedas, mas o terceiro maior token por capitalização é o USDT, o principal stablecoin do setor.
Em geral, stablecoins são criptomoedas com valor vinculado a moedas fiduciárias. Sua emissão é centralizada ou ocorre por contratos inteligentes. O propósito dos stablecoins é reduzir a exposição à volatilidade extrema de preços. Eles também atuam como ponte entre o sistema financeiro tradicional e o universo cripto.
O USDT foi criado pela Tether em 2014. A empresa por trás da Tether é a iFinex Inc, de Hong Kong, também proprietária da exchange BitFinex.
Hoje, o USDT ocupa a terceira posição em capitalização de mercado e foi o primeiro stablecoin pareado ao dólar americano. Por isso, a Tether desenvolveu uma base de usuários gigantesca ao longo dos anos. Atualmente, o USDT é o stablecoin mais popular, com maior circulação e número de pares de negociação.
No mercado cripto, marcado por alta volatilidade, investidores procuram uma unidade estável para transações rápidas. Inicialmente, o USDT foi emitido na camada Bitcoin Omni, e depois na Ethereum como token ERC-20. Com o aumento da demanda, o USDT passou a operar em diversas blockchains, como Tron, Solana e Avalanche.
Hoje, o USDT é onipresente no universo cripto, integrando a infraestrutura do mercado. Praticamente todos os criptoativos possuem pares de negociação com USDT, evidenciando seu amplo uso.
O USDT é pioneiro entre os stablecoins. Como o mais antigo e popular, possui capitalização de cerca de US$ 67,5 bilhões.
Fonte: CoinGecko
O gráfico acima mostra as oscilações do USDT entre 20/09/2021 e 19/09/2022. Como o USDT é indexado ao dólar, a cotação deveria ser exata: 1 para 1. No início, no entanto, o preço foi instável, chegando ao máximo de 1,32 e mínimo de 0,57. Felizmente, após essas flutuações, o USDT se estabilizou em torno de 1 ao longo do último ano.
Fonte: CoinGecko
De acordo com o CoinGecko, o USDT segue entre as maiores criptomoedas por valor de mercado, mas sua capitalização ainda não retornou ao patamar anterior após a queda em maio. Sob impacto do colapso da Terra Luna, a capitalização do USDT despencou de quase US$ 84 bilhões. Até o momento, o USDT recuperou apenas parte desse valor, representando hoje cerca de 40% do market share dos stablecoins.
Após o caso Luna, cresceu o número de pessoas desconfiadas dos “stablecoins”. Para reverter esse quadro, a Tether anunciou em junho a destruição de 10 bilhões de USDT, buscando estabilizar o preço e recuperar a confiança do mercado.
Esse gesto também evidencia que a Tether dispõe de reservas robustas e capacidade para atender grandes volumes de solicitações de saque.
Fonte: Paolo Ardoino Twitter
Segundo o whitepaper da Tether, na emissão original do USDT, cada token era lastreado em dólar, com reserva garantida 1:1. Para cada USDT em circulação, um dólar era depositado como respaldo. Isso assegura responsabilidade e transparência na emissão.
O USDT difere da maioria dos criptoativos e funciona, na prática, como um instrumento de medida que facilita a troca entre moedas fiduciárias e cripto.
O relatório do primeiro trimestre da Tether apontou reservas totais de US$ 82,4 bilhões, superando passivos de US$ 82,2 bilhões. O pico da capitalização da Tether ocorreu em maio deste ano.
No segundo trimestre de 2022, a Tether intensificou o investimento em títulos do Tesouro dos EUA, fortalecendo o controle dos riscos.
Em períodos anteriores, a Tether foi criticada pela elevada exposição a papéis comerciais de risco superior ao retorno. Atualmente, reduziu a posição nesses papéis em 17% e fortaleceu o portfólio em títulos do Tesouro americano, priorizando maior estabilidade.
Apesar do USDT ser considerado estável, investidores devem sempre conferir, por meio de relatórios públicos de reserva, se a paridade em dólar de fato se mantém.
Contudo, advogados da Tether revelaram em 2019 que cada USDT era respaldado por apenas US$ 0,72. Anos depois, a companhia mudou sua posição e afirmou o lastro total. A Tether nunca foi auditada por uma firma contábil reconhecida segundo normas internacionais, o que permanece como sua maior controvérsia.
Empresas costumam divulgar relatórios contábeis trimestrais. Porém, após o primeiro relatório do USDT em 2017, as divulgações seguintes foram irregulares e incompletas. Antes de 2021, informavam apenas o valor total, sem detalhar os instrumentos financeiros utilizados. Só a partir de 30 de junho de 2021 esses detalhes passaram a ser incluídos nos relatórios da Tether.
Conforme o gráfico, a alocação em papéis comerciais foi reduzida, enquanto aumentaram as posições em fundos e títulos do Tesouro dos EUA.
O crescimento das operações de recompra reversa no segundo trimestre reflete as medidas do Fed para enxugar liquidez excessiva via aquisição de títulos.
Reconhecido como o stablecoin de maior valor, o USDT é um caso de sucesso, mas enfrenta desafios internos e externos, além de controvérsias e riscos relevantes.
Todos os estados americanos regulam stablecoins. O Departamento de Serviços Financeiros do Estado de Nova York (NYDFS) definiu três diretrizes fundamentais em 2022: resgatabilidade, exigência de reservas e auditoria independente. A Tether afirma ser transparente sobre suas reservas, contrata terceiros para relatórios e publica dados confiáveis no site. Mesmo assim, persistem especulações sobre corrupção sem análise aprofundada.
Tether possui registro formal. Está registrada em Wyoming, o menor estado dos EUA, para facilitar a circulação do USDT. Também atua como Money Services Business (MSB) perante o Financial Crimes Enforcement Network, órgão que exige registro de empresas financeiras, mas cuja fiscalização é considerada branda.
O whitepaper da Tether garante lastro 1:1, porém o Deltec Bank & Trust Limited, gestor dos fundos, já admitiu que essa relação não é real. De janeiro a setembro de 2020, os ativos totais da Tether subiram apenas US$ 600 milhões, enquanto o volume de USDT emitido aumentou quase US$ 5,4 bilhões.
Em março de 2019, a Tether foi criticada ao mudar os termos de usuário e diversificar alocação para outros instrumentos financeiros além de dólar. Isso aumentou o risco e gerou insatisfação entre investidores.
Poucos percebem que bancos não aceitam depósitos de dezenas de bilhões de dólares sem exigir investimento em outros ativos. O CTO da Tether explicou em entrevista que diversificar reservas é uma exigência do sistema financeiro, não apenas uma escolha da empresa por lucro.
No fim de agosto, a Tether possuía cerca de US$ 67,7 bilhões em ativos e US$ 67,5 bilhões em passivos, afastando acusações de excesso de colateralização. Analistas alertaram que uma queda de 0,3% nas reservas poderia gerar corrida aos saques.
Ardoino, CTO da Tether, garantiu que não há riscos para os usuários e que a empresa não repetirá os erros da Terra. Reiterou a medida de destruir US$ 10 bilhões em junho e que tudo está sob controle, sem riscos de insolvência.
Com o fracasso do UST em maio, recessão global e alta de juros pelo Fed, o mercado financeiro mundial foi impactado negativamente.
Até o momento, a capitalização do USDT reduziu-se em US$ 16 bilhões desde o pico de US$ 83,1 bilhões em maio, levando muitos investidores a recorrer à Genesis Global Trading para operações de venda (“short”) e pressionando o preço do USDT para até US$ 0,94 em certo momento.
Outro fator foi o desequilíbrio na Curve 3pool, composta por USDC, USDT e DAI. Após o impacto de maio, o USDT passou a compor 64,9% da pool, tornando a conversão para USDT menos vantajosa.
Fonte: Curve
Fonte: Dune
Apesar desses desafios, o USDT restabeleceu sua paridade de 1:1 rapidamente.
Em valor de mercado, USDT e USDC ocupam as posições de terceiro e quarto, respectivamente, mas estão próximos em capitalização.
O USDC destaca-se pela robustez das reservas, política de supercolateralização, relatórios regulares e transparência, além de liquidez garantida. Mesmo em mercados de baixa, atingiu recordes de capitalização. Muitos especialistas apostam que o USDC pode ultrapassar o USDT em breve. Segundo projeção da Arcane, o USDC poderia se tornar o maior stablecoin na segunda metade de 2022.
No início de agosto, o Departamento do Tesouro dos EUA adicionou endereços relacionados ao Tornado Cash, mixer de criptomoedas, à lista SDN do OFAC, considerando a plataforma uma ameaça à segurança nacional. Foi o primeiro projeto DeFi sancionado, com todos os endereços envolvidos bloqueados.
A regulação já chegou às criptomoedas, implantando sistemas centralizados rigorosos. Diversas exchanges DeFi (dYdX, Uniswap, Aave) e a centralizada Kraken bloquearam contas ligadas ao Tornado. A Circle, emissora do USDC, congelou 44 endereços que interagiram com a plataforma.
A Tether, ao contrário, anunciou que só congelará endereços do Tornado Cash mediante ordem oficial. Segundo a empresa, o bloqueio precoce poderia gerar perdas irreparáveis e comprometer esforços regulatórios internacionais.
Essa atitude foi elogiada por investidores e comunidades. Muitos trocaram USDC por USDT em apoio à Tether. Cerca de US$ 1,6 bilhão migraram para o USDT em um mês; a capitalização do USDC caiu 2,4% e US$ 1,3 bilhão evaporaram, enquanto o USDT cresceu 2,59% no mesmo período.
Fonte: CoinMarketCap
Para reforçar a transparência, em julho, a Tether anunciou junto à BDO Itália (filial da quinta maior empresa de auditoria do mundo) a publicação mensal dos relatórios públicos de reservas.
A empresa também vem reduzindo a exposição a papéis comerciais, criando um ambiente mais saudável de investimentos. No relatório de agosto, esses papéis caíram cerca de 58%, passando de US$ 20 bilhões para US$ 8,5 bilhões em um trimestre.
Ardoino afirmou que a expectativa é zerar a exposição a papéis comerciais até o final de outubro.
Após o pico em maio, o USDT apresenta sinais de recuperação. O gráfico abaixo mostra a primeira emissão relevante de USDT em três meses, que elevou a capitalização de mercado em 0,85% (US$ 560 milhões). Apesar do acréscimo modesto, o efeito é relevante para a circulação.
Fonte: CoinMarketCap
Ardoino afirma que a Tether já processou altos volumes de capital sem falhas. Foram quase US$ 7 bilhões sacados em apenas 48 horas—mais de 10% das reservas da época. No período mensal, foram US$ 16 bilhões em saques, equivalente a 19% das reservas. Bancos tradicionais teriam dificuldade em atender tal demanda—vide o caso Lehman Brothers. Como o stablecoin mais usado globalmente, a Tether demonstra capacidade de enfrentar períodos de crise e cumprir sua função.
Com o colapso do UST em abril de 2022, a liquidação em cadeia gerou pânico extremo e vendas em massa. O USDT virou alvo do mercado. O medo e a irracionalidade levaram à negociação do USDT abaixo de US$ 1, gerando uma breve desvalorização no mercado secundário.
Apesar da crise de liquidez, a Tether processou US$ 15 bilhões em resgates sem dificuldades. O temor de descolamento do USDT em relação ao dólar foi amplificado. Como stablecoin mais antigo e utilizado, o USDT continua desempenhando seu papel fundamental: facilitar saques eficientes.
Poucos sabem que a Tether almeja mais do que ser um stablecoin pareado ao dólar; quer contribuir para um mercado cambial global mais saudável. Com funcionamento peer-to-peer e acesso livre, o USDT atende mercados emergentes, especialmente na Ásia, África e América Latina.
Em relação às reservas, alvo de críticas, a Tether responde publicamente em seus relatórios e solicita auditorias completas de agências como S&P Global Ratings, Moody’s e Fitch Ratings. Quem critica deve analisar esses documentos com atenção.
Por fim, os questionamentos sobre o USDT não são totalmente ruins. Estimulam a adoção de outros stablecoins, como USDC (Circle) e DAI (MakerDAO). Embora o USDT siga líder de uso, o mercado se tornou mais diversificado. Para investidores, essa pluralidade permite diversificar portfólio e reduzir riscos de desvalorização.